Categoria: Música

MART’NÁLIA – “ONDE ANDA VOCÊ”

Nesta semana, o Brasil & Cia, programa com muita MPB que apresento aos domingos na Regional FM, está completando 24 anos no ar. Um dos compositores mais presentes na programação do Brasil & Cia é o poetinha Vinícius de Moraes, falecido em 1980, oito anos depois de vir a Jales para um show ao lado de Toquinho e Marília Medaglia.

Aliás, de todos os compositores, poetas e escritores homenageados com nome de rua em Jales – Ari Barroso, Ataulfo Alves, Carlos Drummond, Erlon Chaves, Jorge Amado, etc. – o Vinícius de Moraes foi o único que botou seus pés em nossa cidade.

Em certa ocasião, ele botou os pés também em Itapuã, na Bahia, onde morou por um tempo. Foi lá que lhe veio a inspiração para “Tarde em Itapuã”. E foi lá que ele conheceu Hermano Silva, um baiano que, além de médico, era músico e dono de uma casa de shows, chamada “Moenda”.

Com Hermano, Vinícius compôs “Onde Anda Você?”, música incluída em um dos dois LPs lançados por Toquinho e Vinícius em 1975. Pessoalmente, não conheço nenhuma outra música do Hermano Silva, de modo que não seria demais incluí-lo no time daqueles cantores/compositores de um só sucesso.

Vira-e-mexe, algum grande artista regrava “Onde Anda Você?”, como foi o caso de Maria Creuza, Luiz Melodia, Nelson Gonçalves, Simone, Elba Ramalho, Verônica Sabino e outros menos votados. A releitura mais recente é a de Mart’nália, a filha do Martinho da Vila, que lançou em março deste ano o CD “Mart’nália Canta Vinícius de Moraes”.

No vídeo abaixo, o clipe oficial em que ela canta “Onde Anda Você?”:

FAGNER – “QUEM ME LEVARÁ SOU EU”

Lançada por Fagner em 1978, no LP “Eu Canto”, a música “Quem Me Levará Sou Eu” é bastante identificada com o cantor e compositor cearense que completará 70 anos em outubro, tanto que foi escolhida para dar nome à sua biografia, lançada recentemente.

Ressalte-se, porém, que a autoria de “Quem Me Levará Sou Eu” não é de Fagner. Seus compositores foram Dominguinhos (melodia) e Manduka (letra). Dominguinhos, no entanto, só a gravou em 1980, quando a música já tinha feito sucesso com Fagner.

Antes do vídeo, um texto do jornalista Joaquim de Carvalho, do DCM, sobre o as posições políticas de Fagner:

Na entrevista que deu a Pedro Bial, na madrugada de hoje, é altamente revelador que os depoimentos favoráveis a ele tenham sido dados por pessoas importantes que já morreram, como Jorge Amado e Ferreira Goulart.

Também foi citado Vinícius de Morais, que se encantou com Fagner no início da carreira deste e teria dito a Jorge Amado:

“Esse Fagner é alguém que a gente deve estar seguindo, vendo o que ele vai fazer, porque ele vai fazer coisas grandes”, disse.

O programa também mostrou a parceria artística de Fagner com Belchior — os dois compuseram a música Mucuripe.

Os depoimentos revelam que a importância artística de Fagner ficou em algum ponto do passado.

Hoje, ele é mais conhecido pelas escolhas políticas erradas que faz, como o apoio a Aécio em 2014 e a Jair Bolsonaro em 2018.

Às vésperas do segundo turno, divulgou um vídeo em que declarou:

“Amigo Jair, bom dia. Estou passando aqui para prestar solidariedade à sua candidatura à presidência da república, na confiança de que sua vitória trará para nosso país uma política voltada ao nosso povo, quer seja por sua imensa diversidade regional ou sua diversidade ideológica. Fraterno abraço, saúde, fé. Tamo juntos.”

Cinco meses depois da posse, ele se diz frustrado. Mas continua agarrado ao barco da direita, ao lembrar da amizade que tem com Sergio Moro e  elogiar o ministro da Economia.

“Adoro esse ministro, o Paulo Guedes”.

A entrevista serviu para divulgar a biografia do cantor, Raimundo Fagner — Quem me levará sou eu, lançada há alguns meses, mas que não figura em nenhuma lista de obras mais vendidas.

O crítico Mauro Ferreira observou:

“Em bom português, a biógrafa revela Fagner na medida em que o biografado permite ser revelado nas 440 páginas do livro”, disse.

Fagner não vende discos como no passado, mas ainda faz muitos shows, que atraem sobretudo as pessoas mais velhas.

Músico talentoso — chegou a vender tantos discos quanto Roberto Carlos em alguns anos —, Fagner poderia ser maior, não fosse analfabeto político e, por isso, um artista desconectado das raízes de seu povo.

No início dos anos 90, ele estourou com o hit “Borbulhas de amor”, em que dizia querer ser um peixe para mergulhar em um límpido aquário.

Se esse aquário fosse a vida — não é, como ficou claro na entrevista—, Fagner veria que ficou na superfície.

E é por isso que hoje, se Vinícius de Morais e Jorge Amado o vissem bajular Moro e Paulo Guedes, teriam se arrependido de suas palavras.

O tempo revelou Fagner.  

FERNANDA PORTO – “HOJE”

O cantor e compositor Taiguara Chalar da Silva (09.10.1945) nascido no Uruguai durante uma temporada de espetáculos de seu pai, o bandoneonista e maestro Ubirajara Silva, foi um dos melhores compositores da MPB e um dos mais assíduos cantores de festivais.

Nesses festivais, ele cantava músicas suas e de outros compositores, como é o caso de “Modinha“, do Sérgio Bittencourt (o jurado de TV e filho do Jacob do Bandolim, que compôs, entre outras, “Naquela Mesa“, em homenagem ao pai).

Considerado um dos símbolos da resistência à censura durante a ditadura militar, Taiguara teve, aproximadamente, 100 músicas vetadas pelos censores do regime, uma perseguição que o levou a se auto exilar na Inglaterra em meados de 1973.

Uma dessas músicas censuradas foi “Hoje” – o maior sucesso de Taiguara – em cujos versos algum censor mais realista que rei enxergou alusões à tortura (“trago em meu corpo as marcas do tempo”) e insinuações de que, sob o regime militar, a sociedade era infeliz. A letra, na verdade, é um desabafo de um personagem desiludido com as agruras da vida e do amor.

Em 2011, a gravadora Tratore lançou o CD “A Voz da Mulher na Obra de Taiguara”, uma homenagem ao cantor/compositor falecido em 14 de fevereiro de 1996. E coube à pianista e cantora paulista Fernanda Porto (nome verdadeiro: Maria Fernanda Dutra Clemente), interpretar “Hoje”.

No vídeo abaixo, Fernanda – que faz sucesso na Europa – canta e fala de Taiguara.

 

LINIKER, IZA E LAZZO MATUMBI – “NEGRO GATO”

Quando se fala em “Negro Gato”, a imagem que vem à cabeça de muita gente é o cantor e compositor Luiz Melodia, que ganhou esse apelido depois de gravar a canção homônima. Melodia não é, no entanto, o autor da música e nem tampouco foi o primeiro a gravar.

O autor é o carioca Getúlio Côrtes e os primeiros a gravar “Negro Gato” foram Renato e Seus Blue Caps (1965) e Roberto Carlos (1966). Ele foi um dos poucos negros da Jovem Guarda, um movimento predominantemente branco, e, por isso, muita gente vê nos versos de “Negro Gato” um protesto identificado com a causa negra.

Em recente entrevista ao Jornal do Commercio, Getúlio confirma que havia sim um certo preconceito na Jovem Guarda, mas a inspiração para sua canção – uma versão da música “Three Cool Cats“, da dupla Leiber/Stoler, sucesso do grupo americano Coasters – foi mesmo um bichano. 

“Eu estava fazendo umas coisas lá em casa e tinha um gato que não parava de me perturbar. Eu tacava pedra para espantá-lo e dali a pouco lá estava o bicho de novo miando e me olhando. Foi aí que eu tive a ideia de escrever uma letra em português para a música do Coasters”, explicou Getúlio.

A amizade com o pessoal da Jovem Guarda nasceu em 1961, quando ele trabalhava como contra-regra – aquele cara que faz o serviço pesado, carregando instrumentos, equipamentos, etc – do conjunto Renato e Seus Blue Caps, que, naquela época, tinha Erasmo Carlos como crooner.

Roberto Carlos, sabendo do talento de Getúlio para compor, pediu a ele uma música para seu disco de 1965. Em 1966, Roberto repetiu o pedido e recebeu do compositor a música “O Gênio“, mas resolveu gravar também “Negro Gato”, que se transformou num clássico da Jovem Guarda.

Em 1968, o Rei gravou mais duas músicas de Getúlio – “O Tempo Vai Apagar” e a impagável “Quase Fui Lhe Procurar” – em seu disco anual. Por essas e por outras, Getúlio se orgulha de ser um dos pouquíssimos compositores a ter duas músicas gravadas em um mesmo álbum de Roberto. No total, ele teve 13 músicas gravadas pelo Rei, o que não é pouco.

No vídeo abaixo, “Negro Gato” com Iza, Lazzo Matumbi e o cantor andrógino Liniker (o nome é uma homenagem ao jogador inglês Gary Lineker, artilheiro da Copa do Mundo de 1986):

GILBERTO GIL – “PESSOA NEFASTA”

Um dia desses, uma ouvinte do “Brasil & Cia” – o programa musical que apresento aos domingos, na Regional FM – mandou um recado pedindo para tocar “Pessoa Nefasta”, do Gilberto Gil, e dedicá-la ao Bozo.

Achei bem a propósito, mas, em verdade, quando Gil compôs “Pessoa Nefasta”, em 1984, o Bozo ainda nem tinha iniciado sua carreira de deputado medíocre, de modo que a música não foi inspirada na figura com aura de besta que ocupa o Planalto. Não se pode descartar, porém, uma premonição, pois a canção, incrivelmente contemporânea, tem a cara do Bozo.

Quando “Pessoa Nefasta” foi lançada, no LP “Raça Humana”, espalhou-se o boato de que ela teria sido inspirada em Paulo Maluf – que, convenhamos, era bem melhor que o Bozo – mas Gil desmentiu. Educado que é, Gil garantiu que não pensara em ninguém especificamente, mas admitiu que a música poderia se referir à categoria dos “políticos nocivos”.  

Mas não é somente aos “políticos nocivos” que se deve a canção. Deve-se também a dois bandidos que tinham assaltado Gil. Eis a explicação do compositor:

“Eu havia sido assaltado e, sem dúvida alguma, o fato influiu na minha criação: ‘Pessoa Nefasta’ foi pra eles. Eram dois e, armados, nos imobilizaram, ficaram nos encarando, ameaçaram estuprar minha mulher e poderiam ter me matado, porque eu discuti com eles. É pro tipo de espírito deles que eu falo na letra, de sonoridades agressivas, toda no imperativo, como se dita por uma mãe de santo, um padre, um sacerdote, um guia espiritual, um exorcista: como um ‘vade retro, Satanás’. ‘Pessoa Nefasta’ é uma canção de exorcismo.”

Eu bem que tentei postar um vídeo com o Gil cantando “Pessoa Nefasta” ao vivo, mas não está disponível. Estou postando, então, a versão original:

ALCEU VALENÇA E ELBA RAMALHO – “TESOURA DO DESEJO”

Nascido em 1º de julho de 1949, em uma pequena cidade do agreste pernambucano, Alceu Paiva Valença se mandou cedo para o Recife e por lá se formou em Direito e Jornalismo (ele foi correspondente do Jornal do Brasil), carreiras das quais ele desistiu para dedicar-se à música.

Ao Rio de Janeiro, Alceu chegou em 1971 para, incentivado pelo amigo Geraldo Azevedo, participar de festivais de música. O primeiro disco foi gravado em 1972, mas Alceu se tornou conhecido pra valer foi mesmo em 1980, quando “Coração Bobo” fez sucesso nas rádios do Brasil.

Dois anos depois, em 1982, veio a confirmação do sucesso como cantor e compositor, com “Tropicana” e “Como Dois Animais”, do disco “Cavalo de Pau”. A música do vídeo abaixo – “Tesoura do Desejo” – integra o CD “7 Desejos”, lançado em 1991. Na versão original, gravada em estúdio, a música é interpretada por Alceu e Zizi Possi.

Em 1996, foi a vez de Elba Ramalho cantar “Tesoura do Desejo” com Alceu, no primeiro volume do “Grande Encontro”, gravado ao vivo. Em 2016, Alceu, Elba e Geraldo Azevedo se reuniram para o show “Grande Encontro – 20 anos” e coube a Elba e Alceu cantarem novamente “Tesoura do Desejo”.

É desse show o vídeo: 

NEY MATOGROSSO E MARCELLO GONÇALVES – “ÚLTIMO DESEJO”

Hoje, 04 de maio, já lá se vão 82 anos que Noel Rosa deixou este mundo cruel. O texto abaixo, cujo autor não sei quem é, me parece bastante apropriado para homenageá-lo:

“Último Desejo” foi composta no ano de 1937 quando Noel Rosa, com tuberculose já em estágio bastante avançado e sentindo que não viveria muito tempo, resolveu fazer uma homenagem a Juraci Correia de Moraes, a Ceci (foto), bailarina de cabaré e grande paixão do compositor.

Esta composição foi uma espécie de despedida de Noel Rosa em relação à sua amada. Foi sua penúltima composição cuja letra foi entregue a Ceci por um amigo comum pouco antes do falecimento do poeta do samba.

Três de seus melhores sambas foram compostos no ano de sua morte: “Eu Sei Sofrer”, “Prá Que Mentir”, com música de Vadico, e “Último Desejo”.

São obras irretocáveis, de grande beleza estética e vivacidade. Recados cruéis e diretos a quem tanto amava, formam uma mágica trilogia de dor e de coragem. Encerram em si a mais bela pintura psicológica de um ser em luta para exercer dignamente seu direito de vida no tempo que ainda lhe restava. Às 16:30 horas do dia 4 de maio de 1937, deu-se por vencido.

Seu último desejo seria uma mensagem particular e silenciosa, que Ceci levaria consigo pela vida. Em “Fita Amarela”, quando se refere à morte pela primeira vez, Noel utilizou-a como mera força de expressão literária. Já em “Pela Décima Vez” a tuberculose lhe atormentava e o amor lhe parecia um veneno fatal. Apareceu o medo. Noel Rosa enfrentou a terrível ameaça com suas armas mais afiadas: a ironia e o sarcasmo.

O mestre do samba, do amor, da paixão, tornou-se então o poeta da morte. Ria de si mesmo para mostrar ao mundo sua nobreza e poder. A força da intuição e criatividade, na fascinante profissão de juntar notas e palavras para transformar sonhos em realidade e transfigurá-la em sonho novamente. A arte de fazer chorar e rir, rir e chorar; viver e morrer, morrer e viver em um ciclo infinito.

Noel não teve tempo para ouvir a primeira gravação de “Último Desejo” – a de Aracy de Almeida – lançada em março de 1938, dez meses depois de sua morte.

Depois da primeira, vieram várias outras gravações, com interpretações fantásticas. As que mais gosto são a da Gal Costa, acompanhada pelo violão do Marco Pereira, e a do Ney Matogrosso, acompanhado pelo genial Raphael Rabello.

No vídeo abaixo, Ney é acompanhado pelo violão do Marcello Gonçalves, do Trio Madeira Brasil:

O SAMBA SÓ TEVE UMA RAINHA: BETH CARVALHO

Beth Carvalho cantou “Lula Livre” e defendeu o samba e a democracia. O texto é do jornalista Júlio Maria, no Estadão:

O samba teve uma rainha apenas e ela foi Beth Carvalho. Com toda reverência a entidades inquestionáveis dessa monarquia, como Clementina de Jesus e Dona Ivone Lara, Beth, para além do que aquele timbre de voz absurdamente único podia fazer, teve uma posição estratégica primordial para que o samba descesse os morros e ganhasse os palácios.

Assim que surgiu com mais força, no final dos anos 1970, depois de ensaiar um começo mais direcionado para a MPB, a garota branca da zona Sul do Rio, filha de um ideólogo comunista, não era vista com bons olhos pelas alas menos progressistas das rodas do Rio. Afinal, o que queria a branquinha bem nascida se infiltrando nas quadras? “Eu nunca senti preconceito”, dizia Beth, protegida por uma verdade desconcertante a quem duvidava de seus propósitos. “O samba não admite mentira.” Eles percebiam logo que a moça não estava para brincadeira.

O trabalho deu a Beth Carvalho sua glorificação. Ela só tinha 19 anos quando defendeu Andança no 3º Festival Internacional da Canção, de 1968, a música de Paulinho Tapajós, Danilo Caymmi e Edmundo Souto, com ajuda vocal do Golden Boys. Saiu com o terceiro lugar mas colocou a música em sua história para sempre. Desde então, o samba sugou suas inspirações e lá foi ela, se consolidando disco após disco, um por ano, trazendo de vários autores 1.800 Colinas, Saco de Feijão, Olho por Olho, Coisinha do Pai, Firme e Forte, Vou Festejar, Acreditar, Mas quem disse que eu te esqueço.

A “grande madrinha” gostava de dizer os nomes dos afilhados. Eram grupos e sambistas que não acabavam mais, incluindo gente da velha guarda esquecida que fazia Beth sentir nas veias a missão de resgatá-los com luxo e circunstância. Em 1972, fez isso por Nelson Cavaquinho e descobriu Folhas Secas. Bom para Nelson, sensacional para Beth. O produtor daquele disco era Cesar Camargo Mariano, marido de Elis Regina. E então, dá para imaginar o que acontece. Cesar leva a fita da música gravada para casa, antes do disco sair, e Elis a ouve. “Eu quero gravar esta música antes.”

Elis, que também estava terminando um disco, sai correndo, pega a música, manda Cesar fazer o arranjo (o núcleo da banda de Beth também era a mesma da de Elis) e consegue lançar antes. Beth vira uma fera e fica mais de dez anos sem falar com Cesar Camargo Mariano. A história, no entanto, ficaria com a gravação de Beth, que conta com o violão de Nelson Cavaquinho.

Os anos 1980 chegaram e o samba mudou. O partido alto pós Era dos Festivais ganhou força e, sobretudo na zona oeste do Rio, uma turma vinha para tremer o chão. Beth passou a ser frequentadora assídua do Cacique de Ramos e a, na roda, sentar-se ao lado de uns meninos que ninguém conhecia. Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Almir Guineto, Jorge Aragão. Alguns formariam o grupo Fundo de Quintal, que seria mostrado ao planeta em um disco de 1978 que Beth batalhou em sua gravadora para fazer: De Pé no Chão. Um estouro que venderia mais de 500 mil cópias.

Foi para comemorar seus 70 anos de vida que a sambista foi ao palco pela última vez, deitada em uma cama long chaise. “Não tem o show Na Cama com Madonna? Aqui é o Na Cama com Beth Carvalho”, ela dizia logo no início do show. Beth cantando deitada O Show Tem que Continuar, com a voz vacilante pela dor indisfarçável que deveria sentir naquelas noites, foi a prova maior de amor à música que um artista já deu sobre um palco.

BETH CARVALHO MORRE AOS 72 ANOS

O samba está de luto. E a esquerda também. Deu no MSN:

Grande intérprete, Beth Carvalho ficou conhecida carinhosamente como a ‘madrinha do samba’, pelos talentos que descobriu e apadrinhou ao longo de sua carreira, como Zeca Pagodinho e o grupo Fundo de Quintal. A sambista nasceu Elizabeth Santos Leal de Carvalho, no Rio, em 1946.

A paixão pela música, ela herdou da família. Sua avó tocava bandolim e violão. Desde criança, ouvia Sílvio Caldas, Elizeth Cardoso e Aracy de Almeida, que eram grandes amigos de seu pai e que ele recebia em sua casa. E ali Beth ouvia, atenta, aos convidados do pai – e à cantoria.

Na adolescência, cantava bossa nova e outros ritmos em festas e, para ajudar a família, após o pai ser perseguido na ditadura por seus pensamentos de esquerda, ela passou a dar aulas de violão. Não por acaso, herdou do pai a postura engajada por toda a vida.

Gravou o primeiro compacto em 1965, com a canção ‘Por Quem Morreu de Amor’, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli. Nos anos seguintes, seguiu a trilha dos festivais.

Seu primeiro sucesso foi Andança, de Edmundo Souto, Paulinho Tapajós e Danilo Caymmi, que ela defendeu no Festival Internacional da Canção, em 1968, e com o qual conseguiu o 3.º lugar. A música também deu título ao seu primeiro LP, que foi lançado em 1969. Emendou outros sucessos na sua voz, como o hino ‘Vou Festejar’, e eternizou ‘Coisinha do Pai’.

Na década de 1970, foi ao encontro dos mestres, ao gravar ‘Folhas Secas’, com Nelson Cavaquinho, e ‘As Rosas Não Falam’, de Cartola. Dois momentos sublimes em sua carreira.

Mangueirense de coração, foi homenageada por outras escolas de samba: foi tema de enredo da Escola de Samba Unidos do Cabuçú, ‘Beth Carvalho, a enamorada do samba’, em 1984, e recebeu da Velha Guarda da Portela uma placa comemorativa por ela ter sido a cantora que mais gravou seus compositores.

Em 2018, fez apresentações deitada, pois não conseguia ficar sentada por causa de dores. E emocionou as plateias. No final do ano passado, foi morar com a filha, a cantora e compositora Luana Carvalho, fruto de seu relacionamento com o jogador Édson de Souza Barbosa, mais conhecido como Édson Cegonha.

Beth Carvalho estava internada desde o dia 8 de janeiro, no Hospital Pró-Cardíaco, em Botafogo, no Rio, onde recebeu amigos para uma animada roda de samba. Ela tinha mais de 50 anos de carreira e uma discografia de 33 discos e 4 DVDs – e muitos prêmios, homenagens e troféus conquistados ao longo de toda uma vida dedicada ao samba.

Obs.: Édson Cegonha, o ex-marido de Beth, jogou no Corinthians de 1963 a 1969, como lateral esquerdo e/ou médio volante. Se jogasse nos dias de hoje, estaria no Real Madrid ou no Barcelona. No dia em que o Corinthians quebrou o tabu contra o Santos (06/03/1968) ele jogou de volante, ao lado de Rivelino, e não deixou o Pelé aprontar das suas.

Em 1970, ele se transferiu para o São Paulo e formou, ao lado de Gérson e Pedro Rocha, um meio-campo histórico. Morreu em 17 de julho de 2015. Luana Carvalho é sua única filha.

No vídeo, Beth Carvalho canta seu primeiro grande sucesso, “Andança“:

IZAIAS E SEUS CHORÕES – “PEDACINHOS DO CÉU”

Waldir Azevedo, um mestre do cavaquinho, nem sempre foi caviquinista. Os que o conheceram no bairro do Engenho Novo, no Rio, contam que o seu primeiro instrumento foi uma flauta, que ele comprou aos sete anos de idade com o dinheiro que juntou vendendo passarinhos.

Logo depois, ele trocou a flauta por um bandolim que aprendeu a tocar sozinho. Do bandolim, Waldir foi para o cavaquinho, instrumento que, anos mais tarde, o tornou nacionalmente conhecido. Antes de se tornar um músico profissional, ele sonhava ser aviador, mas seus planos de pilotar aviões foram abandonados depois de descobrir que tinha problemas cardíacos. 

Waldir Azevedo chegou à gravadora Continental em 1949, para substituir Jacob do Bandolim, que havia se transferido para a RCA Victor. Os dois eram, cada qual com seu instrumento, gênios do chorinho, mas, por algum motivo inexplicável, Waldir obteve mais sucesso, ou seja, vendeu mais discos que o Jacob.

“Pedacinhos do Céu” e “Delicado” foram os maiores sucessos de Waldir como compositor. A gravação original de “Pedacinhos do Céu” – choro que ele dedicou às filhas – foi feita dentro do banheiro da gravadora Continental. Essa foi a maneira que Waldir encontrou para conseguir alguns efeitos e tirar do cavaquinho o som que ele queria.

Em 1951, “Pedacinhos do Céu” ganhou uma letra do compositor Miguel Lima, gravada pela cantora Ademilde Fonseca (aqui). Mais tarde – não sei exatamente quando – ganhou outra letra, dessa vez do compositor (e zoológo) Paulo Vanzolini.

Na caixa “Acerto de Contas”, que eu ganhei do amigo Luiz Carlos Seixas – uma coletânea de cinco CD’s com músicas de Vanzolini, gravados em 2003 – “Pedacinhos do Céu” ganhou uma bela interpretação de Ana Bernardo, a última esposa de Paulo Vanzolini, que pode ser ouvida aqui.

E no vídeo abaixo, o conjunto instrumental Izaias e seus Chorões interpreta “Pedacinhos do Céu”.

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