NANA CAYMMI – “CONTRATO DE SEPARAÇÃO”

O talentoso cronista Pascoalino S. Azords (ou Pascoalino “sempre às ordens”, se preferirem) passou toda sua infância e juventude em Jales, de onde se mudou há mais de trinta anos, depois de namorar diversas moças de família sem que elas soubessem.

Há uns vinte anos, ele escreve crônicas para o combativo jornal “O Debate”, de Santa Cruz do Rio Pardo, algumas delas com reminiscências de sua infância/juventude aqui em Jales. Na semana passada, ele preferiu escrever sobre o falecido sanfoneiro Dominguinhos e sua ex-cara-metade, Anastácia, autores da música “Contrato de Separação”.

A versão recomendada por ele – com a Nana Caymmi, no vídeo mais abaixo – é de 1985, mas existem outras belas interpretações, mais recentes, como a de Zizi Possi, que pode ser vista aqui. Eis a crônica:

Contrato de Separação

Esta crônica nasceu pelo avesso, a partir do título, que, normalmente, é a última tarefa do cronista. Quem sabe assim você me lê.

Contrato de Separação é o nome de uma música de Dominguinhos e Anastácia que a gente ouvia no carro na voz da Nana Caymmi. Dominguinhos e Anastácia foram casados por onze anos. Não tiveram filhos, mas fizeram 212 músicas.

Ele compunha a melodia pela manhã, depois do café, e a mulher se incumbia de fazer a letra mais tarde. “Eu só quero um xodó” talvez seja a que fez mais sucesso. Gilberto Gil gravou em 1974 e, desde então, outros 400 registros foram feitos no Brasil e no exterior.

Quando Dominguinhos, sem aviso prévio, trocou Anastácia por Guadalupe, a esposa traída retalhou a golpes de faca o pôster do sanfoneiro que sorria (dela?) pregado na parede da sala. E também mandou pro lixo as fitas K7 onde estavam gravadas centenas de outras músicas dele que esperavam letra.

Uma das sobreviventes é “Contrato de Separação”: aula de composição feita em apenas doze versos, invejável ou humilhante para quem se arrisca escrevendo.  Eu já disse aqui, mas posso repetir, que quando me deparo com certos exemplares do sexo masculino eu agradeço ao fato de ter tido uma única filha, e por ela já estar (bem) casada. Eu não sei como o pai de Anastácia viveu depois de ler o que a filha escrevia em forma de música – eu não sobreviveria.

Em “Contrato de Separação”, ao invés de discutir com o ex-marido, só resta à traída e abandonada Anastácia negociar com a tristeza. O tal contrato de separação que ela propõe não seria firmado com Dominguinhos, mas com a tristeza que parece rir-se dela ou da sua ilusão, que “por ser ilusão, é mais difícil de apagar”.

Ao invés de brigar com o ex-marido, até porque naquele tempo ainda não existia internet ou celular, Anastácia briga “com a lembrança pra não mais lembrar”. Se ainda resta alguma coisa inteira desse seu domingo, eu te faço um desafio: duvido que você consiga ver, impassivelmente, o vídeo postado no Youtube em que Nana Caymmi canta “Contrato de Separação” acompanhada de Dominguinhos ao acordeom. (Não confundir com o áudio da gravação do CD, também disponível no Youtube).

O vídeo tem apenas dois minutos e meio. É possível que você entenda, afinal, porque certas pessoas ainda querem fazer novas músicas quando já existem tantas músicas no mundo. Tente, são apenas dois minutos e meio, e o domingo taí que não acaba.

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2 comentários

  • Interpretação pungente de Nana Caymmi;como se vê não é só Elis Regina que conseguia cantar chorando (a Gal Costa já disse que não consegue).A diferença é que a Elis também cantava rindo e brincando (e sem sair do tom).Citei três divas da MPB,cada uma com seu estilo.

  • Não conhecia a história por trás da letra.O Dominguinhos aparece nos dois vídeos,acompanhando a Nana e a Zizi.O compositor que tem seu nome sempre associado ao forró,que é um rítmo bem popular,também tem uma faceta mais sofisticada e menos conhecida.
    Quanto a sua atitude de abandonar a primeira esposa,eu vou apenas citar um verso de Caetano Veloso:”Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.

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