JOÃO BOSCO E ZIZI POSSI – “O BÊBADO E A EQUILIBRISTA”

Com a melodia composta entre o Natal e o Ano Novo de 1977, “O Bêbado e a Equilibrista” – uma das músicas preferidas do meu falecido amigo Chico Valdo – nasceu da vontade de João Bosco em homenagear Charles Chaplin, que morrera no dia 25 de dezembro daquele ano.

Feita a melodia, João Bosco a entregou ao parceiro Aldir Blanc para que ele fizesse uma letra que lembrasse Chaplin. Genial como de hábito, Aldir escreveu uma letra com diversas referências ao homenageado, a começar pelo bêbado que, “trajando luto, me lembrou Carlitos”, o personagem imortal de Chaplin.

Mas foi uma outra homenagem que marcou o destino da música, que ficou conhecida como o “hino da Anistia”. Amigo do cartunista Henrique Souza Filho, o Henfil, que lhe foi apresentado por Elis Regina, Aldir ouviu dele muitas histórias sobre o sociólogo Herbert José de Souza, o Betinho (foto), irmão de Henfil.

Ao escrever a letra, Aldir resolveu homenagear também o irmão do amigo, àquela altura do campeonato exilado no México. Os versos de Aldir diziam que o Brasil ansiava pela volta do irmão do Henfil e de tanta gente que havia partido para outras plagas para fugir da perseguição da ditadura militar.

Curiosamente, Betinho se exilou inicialmente no Chile, onde chegou em 1971. Dois anos depois, com o golpe do sanguinário general Pinochet – do qual o Felipão é admirador, como se viu no post anterior – o Chile mergulhou em uma ditadura e Betinho teve que fugir novamente. Ele escapou do ditador genocida se refugiando na embaixada do Panamá. 

Enquanto isso, aqui no Brasil, aqueles que não conseguiram fugir foram desaparecendo – como o estudante Ruy Berbet, que foi sepultado aqui em Jales em um caixão sem o corpo – ou morreram nos porões da ditadura, a exemplo do metalúrgico Manuel Fiel Filho e o jornalista Vladimir Herzog, torturados por figuras sinistras como o tal Brilhante Ustra, ídolo do Bolsonaro.

Manuel e Vladimir também foram homenageados por Aldir. No verso “choram marias e clarisses”, uma referência a todas as mulheres que ficaram viúvas por obra e graça da ditadura, o compositor se inspirou em duas personagens reais: Maria, a viúva de Manuel. E Clarisse (assim mesmo, com dois esses!), a viúva de Herzog.

“O Bêbado e a Equilibrista” foi gravada por Elis Regina em 1979, mesmo ano em que Betinho, depois de oito anos de exílio, retornou ao Brasil e, ao desembarcar no Aeroporto de Congonhas, deparou-se com uma pequena multidão que cantava a música de João Bosco e Aldir Blanc.

No vídeo, “O Bêbado e a Equilibrista” é interpretada por João Bosco e Zizi Possi. Reparem que ele começa e termina a música com trecho incidental de “Smile”, a canção de Charles Chaplin que, aqui no Brasil, ganhou uma versão chamada “Sorri”, do compositor Braguinha, o mesmo que escreveu a letra de “Carinhoso”.

Em tempo: Henfil morreu em 1988, com apenas 43 anos, enquanto Betinho faleceu em 1997, aos 61 anos. Eles foram vítimas da Aids que contraíram em transfusões de sangue. Os dois – e mais um terceiro irmão, o músico Chico Mário – herdaram da mãe a hemofilia, doença que os obrigava a transfusões frequentes.

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