PAULINHO MOSKA – “CINZAS”
Dia desses, sem coisa mais importante pra fazer, dediquei-me a ver um filme indicado por um amigo. “Sabor da Paixão” (Woman on Top, no original) é o nome que a película recebeu aqui no Brasil, com Penélope Cruz e Murilo Benício nos papéis principais.
O filme – uma co-produção EUA-Brasil-Espanha – conta uma história bobinha, no estilo comédia romântica. O detalhe está na trilha sonora, toda brasileira, com clássicos como “A Flor e o Espinho”, “Falsa Baiana”, “É Doce Morrer no Mar”, “Chão de Estrelas” e “Sonho Meu”.
Uma das músicas da trilha chama-se “Cinzas”, uma composição de Cândido das Neves, que, no filme, é cantada pelo Paulinho Moska.
Nascido em julho de 1899, Cândido das Neves, negro, era conhecido por um apelido que o Bolsonaro não aprovaria: Índio. Ele morreu jovem, com apenas 35 anos, em novembro de 1934, mas deixou uma obra imortal como compositor, com músicas como “Última Estrofe” e “Noite Cheia de Estrelas”, lançadas depois de sua morte.
Cândido das Neves herdou a veia artística do pai, mas o velho não queria que ele tocasse violão, uma vez que, na época, violão era tido como coisa de vagabundo. Índio foi obrigado, então, a aprender piano, mas, depois que o pai morreu, tratou de aprender a tocar violão, seu instrumento preferido. Suas biografias dizem que ele era violonista e compositor.
O velho deve tê-lo obrigado, também, a estudar em bons colégios, dado o vasto vocabulário que ele demonstrava em suas composições. Cândido – ou Índio – era especialista em escrever músicas com palavras difíceis e esquisitas.
Em “Última Estrofe”, por exemplo, ele usa duas dessas palavras: estrelejado e merencória. Não se tem notícia de que outro compositor tenha usado a primeira em alguma música. Já a segunda aparece também em “Aquarela do Brasil”, do Ary Barroso, outro grande conhecedor do vernáculo pátrio.
Foi, no entanto, na tal “Cinzas”, lançada em 1930, que Cândido das Neves quebrou o recorde, utilizando pelo menos cinco palavras pouco usuais. Vejam a letra:
Álgida saudade me maltrata
Desta ingrata
Que não me sai do pensamento
Cesse o meu tormento!
Tréguas à minha dor!
Ressaibos do meu triste amor
Atro é o meu grande martírio
Das sevícias tenho n’alma a cicatriz
Deus, tem compaixão deste infeliz
Mata meus ais
Por que sofrer assim se ela não volta mais?
Esse pobre amor que um dia floresceu
Como todo amor que é sem vigor, morreu
Ai, mas eu não posso esquecê-la, não
A saudade é enorme no meu coração
Versos que a pujança deste amor cantei
Lira de poeta que a sonhar vibrei
Cinzas, tudo cinzas eu vejo enfim
Esta saudade enorme que reside em mim
Morto ao dissabor do esquecimento
Num momento ebanizado da paixão
Está um coração que muitas dores padeceu
Um pobre coração que é o meu
Dentro de minh’alma que se aflige
Tem uma esfinge emoldurando muitas fráguas
Deus, por que razão que as minhas mágoas
A minha dor, não fogem da minha alma
Como fugiu o amor?
E agora, ouçam a música, no vídeo abaixo: