CRÔNICA: “UM 2001 QUE NÃO CHEGAVA NUNCA!” (PASCOALINO S.AZORDS)

Na crônica publicada ontem, 09/09, pelo jornal Debate, de Santa Cruz do Rio Pardo, o jalesense Pascoalino S.Azords fala, mais uma vez, do seu tempo de engraxate aqui em Jales, nos anos 60. Na esquina vazia citada por ele, temos hoje uma sorveteria.

E, daquele tempo para cá, só uma coisa se multiplicou mais do que as farmácias: as igrejas. Eis a crônica:

Meu filme favorito está fazendo 50 anos. Aliás, ultimamente, muitas coisas boas estão chegando aos 50 anos. E é melhor a gente aproveitar porque, pelo jeito, daqui para frente menos coisas boas farão 50 anos.

Eu me lembro quando o “2001 Uma Odisséia no Espaço” chegou à minha cidade. Foi bem no ano em que também chegou o asfalto. Eu estava lá quando pavimentaram o primeiro quarteirão em frente à velha rodoviária. Num extremo daquela quadra tinha uma esquina baldia onde estacionavam mascates, raizeiros, faquires… Por algumas semanas ali esteve o ônibus da mulher aranha. E quando não aparecia ninguém, aquele terreno era nosso, dos engraxates. Na outra esquina ficava o Jeca’s Bar. No meio, a farmácia em que meu pai trabalhava, o Luiz fumeiro e o Cine Jales.

Na minha cidade tinha cinco farmácias e dois cines. Quantas farmácias e quantos cinemas tem hoje aí onde você mora? Viu como as coisas estão piorando? É muito remédio pra pouco cinema!

A bem da verdade, o 2001 passou no Cine São José, numa rua paralela que só seria asfaltada no ano seguinte. Mas no revezamento dos plantões noturnos, a farmácia em que meu pai trabalhava abriu justamente naquela semana em que esteve em cartaz o tal filme que só duas pessoas disseram ter entendido: um agrônomo que era chamado de doutor e o farmacêutico surdo que, mesmo aposentado, comparecia todos os dias à farmácia para conversar com o meu pai.

Na verdade, não me lembro de mais ninguém que tivesse “entendido” o filme. Nenhum dos nossos professores do ginásio, por exemplo, arriscou uma explicação para aquele monólito preto que intrigava tanto macacos como astronautas. E já que não era impróprio para menores, eu fui assistir ao 2001 – dormi como uma criança. Pudera, na primeira meia hora de projeção, não se ouvia um único diálogo, uma única palavra! Na sua folga semanal, meu pai também foi ver. Voltou sem fazer comentários, mas, desde então deu pra assobiar uma valsa do Strauss quando estava em casa.

O ano era 1968. Uma farmácia de cada vez ficava aberta até 22 horas e não aparecia ninguém para assaltar. Em cada farmácia tinha um banco de madeira para se sentar e conversar. Naquela esquina, do outro lado da rua, tinha um carrinho de doces caseiros a preços de criança. Em cada cidade tinha pelo menos duas pessoas inteligentes; na minha tinha o farmacêutico surdo e o agrônomo que bebia uísque de milho. E todos nós tínhamos uma única e mesma certeza: que 2001 ia demorar para chegar. Mas que quando chegasse, em compensação, a gente teria evoluído.

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