ARTIGO – ‘A MÁFIA DO ASFALTO APÓIA A PEC 37’

O Radar Político, do Estadão.com.br, publicou ontem um interessante  artigo do ex-procurador da República em Jales, Thiago Lacerda Nobre. Ei-lo:

Nas últimas semanas, diversas manifestações tomaram conta do país, e dentre os temas objeto dos protestos estava a tal PEC 37 – que, embora incluída nas reivindicações, ainda acaba sendo desconhecida, em detalhes, por muitos.

A PEC, ou Proposta de Emenda Constitucional, nada mais é do que uma alteração na Constituição, norma mais importante do país. Por meio da PEC 37, especificamente, a Constituição, que hoje permite a investigação e produção de provas criminais por diversos órgãos (polícias, Ministério Público, Tribunais de Contas, Controladoria-Geral da União e Receita Federal) seria alterada para que apenas as polícias, civil e federal, fizessem as investigações.

Se a PEC for aprovada, ninguém, absolutamente ninguém, além das policias civil e federal, poderá investigar. Essa situação, sobretudo no Brasil de atualmente, causa bastante temor. Afinal, como ficaria o nosso país caso se inviabilize a atuação dos vários órgãos que hoje investigam juntamente com as polícias?

No caso do Ministério Público, que por força da própria Constituição Federal é o defensor do regime democrático e dos interesses sociais, como ficaria a eficácia de sua atuação? A resposta é simples e direta: seria muito reduzida. E conquistas recentes, em um cenário de vigência da PEC 37, jamais existiriam. Casos como o Mensalão e a Operação Fratelli, que desmantelou a chamada “Máfia do Asfalto”, não teriam vindo à tona.

Sobre a Máfia do Asfalto, alguns aspectos em sua origem são pouco conhecidos – e merecem ser aqui tratados. O Ministério Público Federal investigou, em meados de 2012, o uso irregular de verbas destinadas pelos Ministérios do Turismo e das Cidades especialmente para Festas do Peão no interior de São Paulo. A investigação, realizada exclusivamente no âmbito do MPF em Jales/SP, culminou em mais de 40 ações civis de improbidade e ações criminais contra 89 pessoas pela gastança irregular de cerca de R$ 20 milhões. Essa investigação não poderia ter ocorrido caso a PEC 37 estivesse em vigor.

No meio daquela documentação, obtida mediante requisição do MPF aos dois ministérios e a várias prefeituras, papéis relacionados a repasses para obras de infraestrutura, como recapeamento asfáltico em municípios do Noroeste do Estado de São Paulo, também acabaram chamando a atenção do MPF – que, após análise minuciosa, constatou indícios de inconsistência na utilização dessas verbas. Era a gênese da Operação Fratelli.

O Ministério Público Federal em Jales, portanto, juntou e analisou documentos e, a partir disso, foi possível encontrar o fio da meada da Máfia do Asfalto. Em dezembro de 2012, a Polícia Federal entrou no caso por requisição do MPF, o que permitiu a evolução das investigações, num trabalho coordenado e de cooperação entre as duas instituições. Foi uma investigação iniciada no MPF, portanto, que sustentou uma ação coordenada entre órgãos públicos que, em conjunto, atacaram a criminalidade organizada.

O desfecho dessas investigações, que envolveram recursos federais da ordem de R$ 1 bilhão, todos nós conhecemos: várias pessoas presas, cerca de 80 prefeituras envolvidas, milhares de folhas de documentos, e processos criminais e de improbidade administrativa em vias de serem ajuizados.

O fato é que, em tempos de PEC 37, haveria absoluta nulidade de toda e qualquer prova produzida em investigação não realizada pela polícia (?!). A Máfia do Asfalto, portanto, muito provavelmente ainda estaria em ação – e os desvios não teriam cessado.

A PEC 37, aliás, atenta até mesmo contra o controle social, aumentado substancialmente nos últimos tempos a partir da Lei da Transparência. Simples coletas de dados que evidenciem a prática de crimes, se realizadas por jornalistas ou cidadãos comuns e enviadas às autoridades, seriam consideradas provas absolutamente nulas.

Apenas Indonésia e Uganda adotam sistema semelhante ao que se quer implantar no Brasil com a PEC 37. Nos demais países, as investigações não ficam restritas às polícias. De acordo com o Corruption Perceptions Index 2012, da ONG Transparência Internacional, dos 174 países analisados, a Indonésia está na 118ª no ranking de países corruptos; Uganda, por sua vez, está na 130ª posição. Será que esses dois países estão certos enquanto o resto do mundo está errado? A propósito, o Brasil está na 69ª posição. Qual a chance de que suba nesse ranking caso passe a haver menos instituições aptas a investigar a corrupção?

O Ministério Público é titular exclusivo da ação penal. Deve ter o direito, portanto, de também realizar atos e investigações que venham a embasar a própria ação que só ele pode propor.

A PEC 37 representa evidente retrocesso e agride visceralmente o estado de direito idealizado pela Assembleia Nacional Constituinte – que fez o Ministério Público independente, não vinculado a qualquer poder, justamente para representar a sociedade.

A quem interessa calar o Ministério Público? Por qual motivo? Por que justo agora? E finalmente: qual será a próxima ofensiva após o aniquilamento do Ministério Público?

Thiago Lacerda Nobre é procurador da República, responsável pelo ajuizamento das ações cíveis e penais relacionadas à chamada Máfia do Asfalto. É especialista em direito público e direito ambiental pela UNB, professor universitário de direito constitucional e de processo civil e autor de livros e artigos jurídicos

8 comentários

  • Pit Bull

    É uma aberração e um retrocesso democrático. Os políticos impõem uma democracia representativa, o que precisamos e devemos lutar é por uma DEMOCRACIA PARTICIPATIVA.

    Não vamos permitir a ausência do MP das investigações – PEC 37 – sinônimo de manipulação política, ocultando interesses próprios.

  • Esperidião

    Propomos também um movimento para acabar com o indice eleitoral, isso é uma vergonha, uma forma de manipular o resultado das eleições em favor dos deputados espertalhões, como foi o Caso do Deputado Valdemar da Costa Neto que investiu milhões na campanha do Tiririca para ser puxado pela leganda. “VERGONHA”, na minha humilde opinião deve ser diplomado aquele que tiver o maior numero de votos independentemente de partido. Afinal nós não votamos em partidos politicos, nós votamos em pessoas.

  • Carlos Alberto Expedito de Britto Neto

    Prezado Cardosinho,
    A título de informação e contribuir com o fortalecimento das instituições democráticas, peco-lhe vênia para trazer algumas considerações acerca da chamada PEC 37.
    A Advocacia decidiu, após uma longa discussão travada no Conselho Federal, que a OAB passa, agora, a se manifestar de modo uníssono, em todos os cantos deste pais, postulando, batalhando e empregando toda a sua forca no sentido de apoiar a aprovação da PEC 37. Segundo, palavras de nosso Presidente do Conselho Federal Marcos Vinicius, serão propostas melhorias formais ao texto da PEC para que seu objetivo, de evitar abusos e assegurar o direito de defesa,possa ser alcançado plenamente. Para isso, continua em sua manifestação, foi constituído uma Comissão Especial de Acompanhamento e Aperfeiçoamento da PEC 37, presidida pelo membro vitalício José Roberto Batochio, com participação dos conselheiros federais Leonardo Accioly, Everaldo Patriota e Fernando Santana.

    Para ilustrar melhor e com uma linguagem menos técnica, mas, de modo que as pessoas que acompanham o desenrolar dessa malfadada campanha para distorcer o que realmente significa e ainda a repercussão desse assunto na vida de todos nos,
    vou reproduzir abaixo um artigo veiculado na mídia nacional, de autoria de um advogado muito qualificado e ético, tratando com muita propriedade o que vem a ser realmente a PEC 37, e ao final, solicito se for possível, que voce possa reproduzi- lá, agradecendo desde já:

    Por mundolusiada | 19 junho, 2013 as 2:07 pm | Nenhum comentário

    Por Euro Bento Maciel Filho

    Certo dia, um amigo de longa data, insatisfeito com as indevidas interferências que certas pessoas insistem em fazer na nossa vida ou no nosso trabalho, disse a seguinte frase: “se você permitir que o camelo coloque a cabeça dentro da barraca, ele nunca mais sairá”. Achei a frase interessante e a guardei em minha memória, sendo certo que, às vezes, a utilizo para justificar-me perante as pessoas quando não permito que se intrometam nos meus afazeres, sobretudo na minha forma de trabalhar.

    Pois bem, “camelos” à parte, fato é que, de uns tempos para cá, a Proposta de Emenda Constitucional n. 37/2011, a PEC 37, vem gerando um acalorado debate. De um lado, há aqueles que defendem a ideia de termos um Ministério Público com poderes investigativos. De outro, temos os que creditam a tarefa investigativa exclusivamente às polícias Federal e Civil.

    A verdade é que toda essa discussão é totalmente desnecessária. Bastaria que as partes envolvidas fizessem uma leitura desapaixonada dos artigos 144 e 129, da Constituição Federal, para que tudo ficasse muito bem esclarecido e resolvido. Isso porque o texto constitucional, longe de permitir interpretações dúbias ou contraditórias, foi muito claro ao delimitar as competências funcionais tanto do Ministério Público quanto das polícias.

    De efeito, no que diz respeito aos membros do Ministério Público, a Constituição lhes atribuiu, entre outras, a competência para “exercer o controle externo da atividade policial” e, ainda, para “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais”. No tocante às atribuições específicas das polícias, a Constituição as incumbiu de “exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União” (Polícia Federal) e desempenhar “as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares” (polícias civis dos Estados).

    Efetivamente, por mais que se leia e analise o texto constitucional, não será possível encontrar, em artigo algum, qualquer “permissão” para que o Ministério Público atue como órgão investigador. Essa tarefa é, e sempre foi, exclusiva das polícias.

    Apenas para que não surjam dúvidas, o constituinte, ao conferir aos Promotores de Justiça a tarefa de “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial”, não pretendeu dar-lhe o direito de investigar, isto é, de promover, sozinho, o inquérito policial. O que se concedeu ao M.P., em verdade, foi a faculdade de solicitar à autoridade policial, nos autos de um inquérito policial formalmente instaurado pela polícia judiciária, a produção de determinadas provas. Ou, então, requerer, expressamente e mediante ofício, que a autoridade policial instaure um inquérito policial para apurar um determinado fato.

    Qualquer interpretação diversa que se dê à norma constitucional, para assim tentar justificar um suposto poder investigatório do Ministério Público, importa em verdadeira “criação” de um direito, ou seja, claro desvirtuamento da Constituição Federal. É bem verdade que aqueles que defendem a possibilidade de termos um Ministério Público “investigador” sugerem que esse poder seria uma mera consequência, quase que uma “extensão”, do poder privativo dos promotores de Justiça de “promover a ação penal pública, na forma da lei” (artigo 129, inciso I, da Constituição Federal).

    Para os adeptos daquela corrente, “quem pode o mais” (que é, justamente, o poder de denunciar), “pode o menos” (investigar). E foi a partir desse entendimento absolutamente desviado da expressa previsão constitucional, que, aos poucos, Promotores de Justiça do país inteiro, tanto na esfera federal quanto na estadual, passaram a realizar investigações (muitas vezes, sigilosas) em seus gabinetes, do início ao fim, como se estivessem atuando como delegados de policia.

    É aqui, então, que voltamos àquela frase do camelo, mencionada no início deste artigo. Neste caso, o “camelo” é o Ministério Público.

    Lamentavelmente, quiçá por omissão de quem deveria coibir tal prática – o Poder Judiciário –, quiçá por puro comodismo, o Ministério Público foi, aos poucos, distorcendo a norma constitucional para assim criar uma “incumbência” que jamais lhe pertenceu. A ideia de que “quem pode o mais, pode o menos” (teoria dos poderes implícitos) não se aplica ao caso, vez que, como já dito retro, o legislador constituinte, sabiamente, definiu explicitamente a competência de cada órgão, tudo de forma a impedir que um usurpasse o poder do outro. O cerne do debate não está em tentar justificar o que a lei constitucional não diz, mas, sim, em entender que há uma clara separação de competências entre o Ministério Público e as polícias. E é até salutar que assim seja.

    Sob o ponto de vista prático, admitir o poder investigatório do Ministério Público implicaria reconhecer que um mesmo órgão (senão, a mesma pessoa) investigue e denuncie. Ora, que imparcialidade se pode esperar daquele que investiga para si próprio? Como conceber que um mesmo promotor de Justiça promova a investigação, segundo as suas manias, ideias e “achismos”, para depois “promover a ação penal pública”?

    Dentro desse contexto, a PEC 37, que seria totalmente desnecessária se a Constituição Federal fosse fielmente seguida, vem em boa hora. É bom que se diga, desde já, que a proposta, maldosamente chamada de “PEC da impunidade” por aqueles que defendem o (abusivo) poder investigatório do MP, visa, apenas, recolocar as coisas nos seus devidos lugares. De qualquer forma, é certo, porém, que, se aprovada, será importante para ao menos tirarmos o camelo da barraca, definitivamente.

    Por Euro Bento Maciel Filho
    Advogado criminalista, mestre em Direto Penal pela PUC-SP e sócio do escritório Euro Filho Advogados Associados.

  • Pit Bull

    SMJ…Então não haveria necessidade da Proposta de Emenda Constitucional – PEC 37. – chover no molhado .

    Se estão claras as atribuições de cada orgão, porque esta vontade desvairada do congresso na aprovação, sabendo que trata-se de disposições que não podem haver alterações – cláusula pétrea.

    Entendo também, que o processo investigativo é instrumento que agrega provas cabais , portanto, a suposta interferência do “achismo”, manias e idéias do MP, não anula os questionamentos e contra-provas pela defesa – transparência da ação penal pública.

  • PEC 37

    ESQUECEU-SE O ILUSTRE PROCURADOR DE MENCIONAR QUE ALÉM DA MÁFIA DO ASFALTO, ESTÃO A FAVOR DA PEC A OAB/BRASIL, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ATRAVÉS DE SE PRESIDENTE, TODAS AS POLÍCIAS (FEDERAL E CIVIL), ALÉM DE INÚMEROS JURISTAS DE GRANDE CONCEITO, COMO IVES GANDRA MARTINS. QUANDO ESCREVO ESSE COMENTÁRIO, A PEC 37 FOI ARQUIVADA E A SANHA POR PODER DO MINISTÉRIO PÚBLICO, ATRAVÉS DE UM DEPUTADO FEDERAL, ENCAMINHOU OUTRO PROJETO DE LEI PARA APRECIAÇÃO DO LEGISLATIVO NOS REMETENDO AOS TEMPOS DA DITADURA, QUANDO SE INVESTIGAVA DA FORMA MAIS CONVENIENTE AOS INTERESSES DO ÓRGÃO ACUSADOR…PAGAR PRA VER ONDE VAMOS PARAR.

  • Bruno

    A validade do poder investigatório do Ministério Público já é assunto sedimentado no STF.
    No mais, cabe controle jurisdicional dos atos praticados no âmbito destas investigações, além de fiscalização interna e do Conselho Nacional.
    A presente causa envolve vários outros interesses escusos do que simplesmente “tirar o camelo da barraca” ou regulamentar algo que já está explícito na Carta Magna…

  • BATE O TAMBOR

    MIZI FIU O CEIS PUDIA FALÁ MAIS FACI, POIS ANCIM DÁ NÓ NOS MIOLO.TEM MAIS , CEIS VOTARU NUS OMI, AQUI NA VILA CEIS VOTARU NA MUIÉ, CANCEI DI AVISÁ, AGORA …. . VO CANTÁ PRA SUBI, DEUZO PROTEJA U CEIS VÃO PERCIZA.

  • Romualdo

    Quando dizem que a POLÍCIA é a favor da PEC estão mentindo. Quem é a favor são APENAS os delegados. Os agentes da PF protestaram várias vezes e ainda AFIRMAM que 90% dos INQUÉRITOS são ELEFANTES BRANCOS. Ou seja, para os ENTENDIDOS isto significa: CORRUPÇÃO e DESVIO do INTERESSE e da FINALIDADE PÚBLICA. Sem falar ainda que a INVESTIGAÇÃO do MP não atrapalha em nada a INVESTIGAÇÃO das POLÍCIAS, mas, pode SIM apontar FALHAS CRIMINOSAS deles e isto é TRANSPARÊNCIA.
    E não se esqueçam que o TERMO ÓTIMOS ADVOGADOS, na verdade SÃO ACORDOS ESPÚRIOS e MACABROS feitos às escondidas.
    PENA DE MORTE PARA CORRUPTOS dos 3 PODERES JÁ !!!

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