ELIS REGINA, 4O ANOS SEM A PIMENTINHA

Me lembro bem do dia 19 de janeiro de 1982. Eu trabalhava no posto avançado do Banco do Brasil em Santa Albertina e quando cheguei, com outros três colegas de trabalho, ao hotel-restaurante em que almoçávamos, a TV estava ligada e só se falava da morte de Elis.

Eu ouvia muito Elis Regina, principalmente o LP “Falso Brilhante”, lançado em 1976 com músicas como “Fascinação”, “Velha Roupa Colorida”, “Gracias a La Vida”, “Tatuagem” e “Como Nossos Pais”, mas, confesso, ainda não tinha ideia da grandiosidade da cantora, que morreu com apenas 36 anos.

“Falso Brilhante” – que tinha três músicas da dupla João Bosco/Aldir Blanc – foi o disco em que Elis apresentou um novo e talentoso compositor: o cearense Belchior.

Ela já tinha gravado “Mucuripe”, de Fagner e Belchior, mas não conhecia Belchior pessoalmente. Um dia, Elis viu um rapaz no corredor de uma gravadora e perguntou se ele era o Belchior. Veio, então, o convite para que ele fosse até a casa dela mostrar suas músicas. Belchior alegou que não tinha dinheiro para o táxi e Elis prometeu mandar seu motorista buscá-lo.

E assim foi feito. Na casa de Elis, Belchior apresentou várias músicas que ela ouviu atentamente sem falar nada. O compositor achou que não estava agradando, mas, quando terminou, Elis falou: “vou gravar essas duas”. Ela falava de “Como Nossos Pais” e “Velha Roupa Colorida”.

Elis era assim. Tinha um faro para lançar novos compositores, ainda pouco conhecidos. Foi assim com Ivan Lins/Vítor Martins, Renato Teixeira, João Bosco/Aldir Blanc e o já citado Belchior. Foi assim também com Milton Nascimento, que é agradecido até hoje por Elis ter sido a primeira cantora a gravar uma música sua, no caso a “Canção do Sal”.

Em contrapartida, foi Milton quem apresentou Maria Rita, a filha de Elis, como cantora, ao convidá-la para gravar uma das músicas do disco “Pietá”, de 2002. Depois de gravar com Milton, Maria Rita construiu uma carreira de sucesso.

Curiosamente, Elis Regina morreu no mesmo dia em que Nara Leão estava completando 40 anos. Hoje, quando Nara Leão completaria 80 anos de idade (ela morreu com 47), estamos completando 40 anos sem a Elis. As duas não se davam muito bem e por razões do coração: Ronaldo Bôscoli, que namorou Nara acabou se casando com Elis.

Na música e na política, porém, elas estavam do mesmo lado. Ambas gostavam de gravar a nata da MPB. E ambas militavam na esquerda. Elis Regina tinha se filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) um ano antes de morrer. E Nara Leão, que tinha o apelido de “Nara Coração de Leão” por sua coragem no enfrentamento à ditadura, era do Partido Comunista.

Vários jornais estão rendendo homenagens a Elis Regina nesta quarta-feira. Neste post se pode ver as chamadas de capa da Folha de Pernambuco, do jornal mineiro O Tempo, e do paulista Metro. Já nos jornais gaúchos (Elis era gaúcha de Porto Alegre), não se vê nenhuma chamada de capa sobre a data.

No vídeo abaixo, podemos ver uma Elis emocionada cantando “Atrás da Porta”. Chico Buarque começou a escrever a letra dessa canção durante uma festa na casa de Francis Hime, o autor da melodia. Ele conta que à certa altura da festa acabou a bebida e também a inspiração, de modo que a música ficou pela metade.

Algum tempo depois, Francis ligou dos Estados Unidos para Chico, dizendo que ele precisava terminar a música pois a Elis já tinha gravado a parte que estava pronta e queria gravar o resto. E, para provar que não estava mentindo, o Francis mostrou, via telefone, a gravação de Elis. Chico, então, escreveu meio que às pressas a segunda parte, que começa com “dei pra maldizer o nosso lar…”.

Em tempo: o apelido de Elis – “Pimentinha” – lhe foi dado pelo poetinha Vinícius de Moraes, por conta de sua aparência miúda e personalidade explosiva. Elis tinha um gênio, digamos assim, “ardido”.

 

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