ERASMO CARLOS – “NUNCA PARE DE SONHAR”

Eu quase não vejo os canais da TV aberta, de forma que não sei dizer se nesses canais está sendo veiculado um comercial do Bradesco que, nos últimos dias, é repetido com frequência nos canais fechados como, por exemplo, a GloboNews.

Nele, a propósito de nos trazer a esperança de que os tempos bicudos que estamos vivendo irão passar, uma locutora diz que “ontem, um menino que brincava me falou que hoje é a semente do amanhã e para não ter medo que esse tempo vai passar”.

Se você só ouve música sertaneja, certamente não sabe que essas palavras estão nos versos de uma canção – “Nunca Pare de Sonhar” – de Gonzaguinha, também conhecida como “Sementes do Amanhã”, lançada em 1984, no LP “Grávido”, o mesmo que trazia, também, o sucesso “Lindo Lago do Amor”.

Igualmente, não deve saber que as palavras de Gonzaguinha já foram utilizadas também em outro contexto – o político – quando os brasileiros lutavam pela volta da democracia e pelo direito de eleger seu presidente.

Como se verá no vídeo abaixo, elas foram ditas pelo Erasmo Carlos no histórico comício das Diretas Já, realizado em abril de 1984, na Candelária, Rio de Janeiro, que, segundo notícias da época, reuniu mais de 1 milhão de pessoas.

Por sinal, Erasmo não ficou apenas na citação durante o comício. Naquele mesmo ano de 1984, o Tremendão lançou o álbum “Buraco Negro” e uma das músicas era “Sementes do Amanhã”.

O comício da Candelária contou com 52 oradores (Tancredo, Ulysses, FHC, Lula, Brizola, Montoro, etc), incluindo um político da Arena, partido da ditadura militar. Cristiane Torloni, para evitar vaias, o apresentou como um “rebelde”. Contou, também, com vários artistas – Chico Buarque, Fafá de Belém, Lucélia Santos, Milton Nascimento, Beth Carvalho, Fernanda Montenegro, etc, e, é claro, o Erasmo.

Fafá era chamada de “Musa das Diretas”. Ela esteve em pelo menos 32 comícios das Diretas Já e encerrava a todos, puxando o Hino Nacional. Antes, durante o comício, Fafá soltava uma pomba branca e cantava “Menestrel das Alagoas”, homenagem a Teotônio Villela, líder da Anistia política, falecido em 1983, em Maceió.

“Coração de Estudante” era outra música da trilha sonora das Diretas Já. Um de seus autores, Wagner Tiso, era figura assídua nos comícios. Ele ficou tão decepcionado com a não aprovação das eleições diretas que, durante alguns anos, deixou de tocar “Coração de Estudante” em shows.

Sim, quinze dias depois do comício da Candelária, o Congresso rejeitou a chamada emenda “Dante de Oliveira”, que permitiria aos brasileiros votar para presidente. Faltaram 22 votos, sendo que 113 deputados se ausentaram da sessão.

Fafá de Belém foi outra que ficou decepcionada. “Eu tinha 26 anos e não imaginava ser possível o Congresso virar as costas para aquilo tudo. Fomos todos para as ruas e ficamos nessa frustração coletiva”, declarou Fafá em entrevista, há alguns anos.

Mas, como recomendava a música de Gonzaguinha, Fafá e todos os outros – entre eles, Sócrates e Casagrande, da “Democracia Corinthiana”, e Osmar Santos, o locutor das Diretas – não se desesperaram nem pararam de sonhar e, cinco anos depois, os brasileiros estavam votando para presidente.

Vamos, agora, ao vídeo, torcendo para que estes tempos de coronavírus e bozovírus passem logo.

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